quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Reflexões sobre o grão de trigo, a civilização e a mitologia

Nesse mês de setembro ocorre a chegada da primavera no hemisfério sul. Mais um inverno termina e, com ele, o frio, as noites mais longas e os dias mais cinzas. A primavera representa o ressurgimento da vida. É a estação em que os vegetais se renovam após as agruras do inverno.



Espiga de trigo (falandoaosdiscipulos.blogspot.com)
O maior exemplo dessa mudança é um cereal que é cultivado já há alguns milênios: o trigo. Poucos cultivos são tão simbólicos e marcam tanto o renascimento da vida quanto o desse grão. É preciso semeá-lo, fazê-lo crescer e ceifa-lo. Esse processo pode ser visto como o nascimento, a passagem pelas etapas da vida e, por fim, a morte.

Região do Crescente Fértil (www.infoescola.com)
A cultura do trigo começou quando o homem deixou de ser nômade e passou a habitar locais fixos. A agricultura foi um fator essencial para essa nova forma de vida. E, claro, o trigo esteve presente desde os primórdios da sociedade. Ele representa a passagem do estado selvagem do homem para o de domínio da natureza. Estima-se que as plantações de trigo se iniciaram, na região do Crescente Fértil, há cerca de 6.700 anos antes de Cristo. Sua produção é uma verdadeira representação dos 4 elementos alquímicos: ele nasce na terra, é regado com água, espera-se que cresça com o ar e, por fim, utiliza-se o fogo para cozer a massa. Assim se produzia o pão, um dos principais e mais antigos alimentos que existe.

Representação de Osíris (astrologievulgarisee.wordpress.com)
O trigo logo se integrou com as religiões e mitologias das primeiras sociedades. No Egito, o trigo estava diretamente ligado ao deus Osíris, que julgava os mortos e permitia boas colheitas à população. Conforme a lenda, Osíris foi morto pelo seu irmão, o deus Seth, mas com a ajuda de sua esposa, a deusa Ísis, ele ressuscitou. Uma das formas de Osíris ser representado pelos egípcios era como uma múmia que trazia consigo, junto ao corpo, algumas espigas de trigo. Dentre as tradições desse povo, uma era de enterrar uma escultura de Osíris, feita de barro e trigo, para que a colheita fosse próspera.

A associação desse cereal com a morte – e renascimento – sempre esteve presente na história das civilizações. Ainda no Egito, é comum encontrar hieróglifos que mostravam sacerdotes jogando trigo no túmulo de Osíris. Além disso, uma das práticas da época era jogar grãos de trigo quando alguém morria para que essa pessoa pudesse ter vida eterna. Essa simbologia não era à toa. Para obter uma semente de trigo era necessário que esse grão morresse e adubasse a terra onde teria a plantação.
Colheita do trigo por escravos hebreus (pinheiroempauta.blogspot.com)

Da cultura egípcia, o cultivo desse cereal migrou com os hebreus quando eles foram libertos da escravidão. Encontra-se, na Bíblia, diversas passagens nas quais o trigo aparece. Jesus, por exemplo, utiliza a metáfora do joio e do trigo para simbolizar, respectivamente, o homem mau e o homem bom. No evangelho de João (cap.12,24) é citada uma conversa em que o Cristo diz que se o grão de trigo cair no chão e sobreviver ele ficará só. Porém, se ele morrer renderá muitos frutos. Uma alusão clara de sua morte e ressurreição. Em ambas as passagens bíblicas o trigo é visto como era no Antigo Egito: uma representação da morte e da vida após a morte.

Enfim, talvez o significado mais importante do trigo seja o de que o nosso universo é cíclico e que, para a humanidade sobreviver como espécie, é preciso que haja nascimento, reprodução e morte, para mais uma vez um ser humano nascer e o animal homem continuar a seguir seu caminho pela roda da vida.